Análise feita pela consultoria Alvarez & Marsal aponta que quase metade das empresas abertas tem baixa performance e estão vulneráveis
Um estudo da consultoria Alvarez & Marsal, especialista em reestruturação de empresas, traz um alerta para quem compra ações na B3, a bolsa brasileira. A partir de uma metodologia própria, a consultoria analisou 374 companhias abertas no Brasil e concluiu que 45% delas apresentam baixa performance e estão “vulneráveis”. Isso equivale dizer que não geram caixa suficiente para continuarem a existir; ou que estão numa posição enfraquecida que as levará a serem adquiridas por uma concorrente.
Parte relevante da explicação para esse percentual que a consultoria considera alarmante, explica Kevin Munier, diretor-sênior da Alvarez & Marsal, está no fato de a crise econômica recente no Brasil ter sido utilizada como desculpa por muitos executivos para justificar o fraco desempenho das empresas.
“A crise é um fator relevante, mas que acabou permitindo esconder problemas estruturais profundos de planejamento, alocação de capital, gestão e governança que não serão resolvidos com a retomada econômica”, afirma Munier. Na visão dele, essas carências persistem porque, sob a desculpa da crise, não foram combatidas.
Até mesmo aquelas que foram para a recuperação judicial, ele avalia, enxergaram esse processo como uma renegociação financeira, apenas. “Muitas companhias fizeram pouca coisa além disso. Não tenho números, mas acho que poucos executivos perderam o cargo durante a recuperação judicial. Como mudar uma empresa se não trocar a liderança?, questiona.
Das 168 empresas nas quais a Alvarez & Marsal encontrou fragilidades, 83 foram classificadas como vulneráveis e 75 como “extremamente” vulneráveis. O resultado pode ser embalado como uma ferramenta de consulta para ajudar acionistas a acompanharem seus investimentos. E também é utilizado pela Alvarez & Marsal como um material de trabalho — a consultoria deverá abordar essas empresas já apresentando o diagnóstico e um plano de ação.
A metodologia da companhia faz uma análise dos dados divulgados pelas empresas e de algumas observações específicas — foi estruturada a partir de 15 anos de interação com as companhias. São 20 itens de avaliação, que comparam empresas concorrentes. Segundo Munier, apesar de alguns setores terem poucas representantes na B3, foi possível comparar pelo menos três ou quatro companhias e identificar quem está na liderança e quem ficou para trás.
Entre os pontos que são analisados pela A&M estão o retorno e a atratividade da companhia; rentabilidade, crescimento, alocação de capital e gestão. No Brasil, um ponto que acabou sendo fundamental foi uma métrica de volatilidade, para avaliar a previsibilidade e confiabilidade nos negócios. Isso foi necessário por conta da volatilidade atribuída a ações de empresas envolvidas em investigações da Polícia Federal e da Lava Jato.
Casa desarrumada
Segundo o executivo, a ideia de olhar para o Brasil nasceu da preocupação com o fato de, após cinco anos de crise, a economia brasileira não ter voltado a crescer com força. “Além disso, nós não estávamos enxergando nas companhias brasileiras as mudanças que esperávamos que fossem acontecer. Notamos muita passividade”, diz.
Munier diz que o que se ouve do empresariado é um discurso de que a crise passou, a empresa sobreviveu e quando o consumo voltar, não será preciso se preocupar com mais nada, pois a empresa voltará a crescer.
Com esse pensamento, ele acredita que empresários e executivos deixaram de tirar lições do que houve nos últimos anos. Alguns deles, Munier acredita, devem tentar vender as empresas quando a economia voltar, por conta dos traumas da crise.
“Mas como elas não arrumaram a casa, essas negociações serão difíceis”, ele afirma. Na visão do diretor da Alvarez & Marsal, o potencial comprador vai olhar para a empresa antes e depois da crise e ver que nada mudou. Por isso mesmo, o ativo se depreciou (perdeu valor), a empresa cortou investimentos e perdeu valor intrínseco. “A negociação de preço vai acabar gerando novos traumas nas empresas familiares”, afirma.
Inovação não é só pra startup
Ele diz que a análise da consultoria identificou falta de investimento do empreendedor brasileiro em novos negócios. “O tempo todo, hoje, só se fala em inovação, em startups. Mas não vejo as empresas tentando inovar dentro de seus próprios negócios. Elas não perceberam que investir em inovação não é lançar uma fintech ou criar uma incubadora”, afirma Munier. “Sem esse investimento em inovação dentro do negócio, mesmo que o país saia da crise, a vulnerabilidade continuará”, afirma.
A consultoria não revela os nomes das empresas problemáticas. Apenas divulga as dez mais bem avaliadas, pela ordem: Magazine Luiza, Tegma, B3, Trisul, Equatorial Energia, WEG, Lojas Renner, Sabesp, Rumo e Raia Drogasil. Munier diz qual foi a receita das empresas que estão à frente da concorrência: mudança de gestão, de estratégia ou simplesmente inovação, com reposicionamento da marca e do negócio.
O desempenho na bolsa das empresas mais bem avaliadas
Magalu na dianteira
Tudo isso está na história da mais bem avaliada da lista, a Magazine Luiza, lembra Munier. “Um exemplo fantástico de empresa que soube fazer a transição de negócio e a sucessão”, diz. Criada no varejo tradicional, ela viveu dificuldades, mas está saindo tão bem da crise que fez uma aquisição 100% oportunística, da Netshoes, que vai dar a ela o aspecto digital.
“Se fechou uma compra como essa, saindo da crise, necessariamente é porque encarou suas dificuldades e repensou sua estratégia”, diz. Na visão pessoal de Munier, a Magalu que saiu da crise deverá ser a empresa brasileira mais bem posicionada para competir com os gigantes do comércio digital. “Hoje, ela não é uma empresa digital, mas já se vende dessa forma porque entendeu qual é o futuro”, diz.
Na lista das mais bem avaliadas há empresas que sempre entregaram resultados que agradam aos acionistas, como Equatorial e Lojas Renner; e outras que tiveram de fazer reestruturações, como Trisul e Rumo. Chamou a atenção o fato de nenhum banco ter se destacado.
E também a presença de uma estatal, a Sabesp, entre as mais bem classificadas. Munier comenta que isso mostra que mesmo uma empresa pública pode ser bem avaliada — ele pondera que o setor é regulado, o que traz previsibilidade ao negócio e que saneamento deve ser alvo de investimentos no país.
A consultoria fez a análise nos Estados Unidos, com quase três mil empresas e encontrou um percentual bem mais modesto que aqui: apenas 20% das companhias são ‘vulneráveis’. E agora vai olhar Alemanha, França e Inglaterra, mas não espera encontrar em nenhum deles um percentual de vulnerabilidade tão alto quanto o encontrado no Brasil.
Fonte: valorinveste